UNIVERSIDADE CATÓLICA DE ANGOLA EM BENGUELA
CURSO DE JUSTIÇA SOCIAL
O CONCEITO DE JUSTIÇA SOCIAL:
Comecemos pela palavra “justiça” (do latim iustita, ae). Esta detém conotações diversas e ser utilizadas em vários sentidos e vejamos:
- Justiça cósmica: ocupação por cada coisa do seu lugar e adequação ao seu fim, segundo a lei reguladora da ordem universal.
- Justiça divina: é a infalível perfeição da vontade de Deus e da sua actuação em relação aos homens.
-Justiça univesal: virtude ética total ou plenitude da bondade moral que na perspectiva bíblica e cristã, é sinonimo de santidade.
-Justiça particular: diz respeito as relações sociais e consistente no hábito da vontade que inclina o homem a dar a cada um o seu direito.
-Justiça objectiva: é a simples atribuição a cada um do que lhe é devido, qualquer que seja o ânimo do agente.
- Justiça funcional e institucional: é actividade jurisdicional ou de administração da justiça.
-Justiça legal: é a norma, valor, fim ou principio regulador da vida social, politica e jurídica, com conteúdo e alcance variáveis consoante as concepções adoptadas.
1.3. A JUSTIÇA EM ARISTOTELES
Aristóteles nasceu em Estagira, na Calcídica (384 a.C. - 322 a.C.). Filósofo grego, aluno de Platão e professor de Alexandre, o Grande, é considerado um dos maiores pensadores de todos os tempos e criador do pensamento lógico.
A obra Ética a Nicómano (foi o pai) espelha a ideia que Aristóteles tem de justiça social. É uma obra sobre a ética. A razão é orientada para um fim. Quem determina este fim é a ética. E a finalidade suprema é a felicidade que consiste na vida virtuosa. Virtude consiste em fazer uma acção bem feita, na justa medida.
Esta ideia de justiça de Aristóteles encontra-se na obra Ética a Nicómano.
A concepção de justiça em Aristóteles é mais nítida. Ele distingue entre a justiça geral, conceito que não difere substancialmente do conceito de justiça de Platão e a justiça particular, noção que mais se aproxima ao Direito.
Segundo Aristóteles, a Justiça particular é uma virtude puramente social. Assim sendo, o homem é justo quando habitualmente não retira mais do que a sua parte dos bens em disputa no grupo social, nem menos do que a sua parte das dívidas, dos encargos e dos trabalhos.
A justiça como virtude particular de natureza exclusivamente social, é concernente à repartição de bens entre os homens e tendo como objecto a atribuição a cada um do que é seu, ou seja, o seu direito, segundo um critério de igualdade.
O Direito Romano, na linha da tradição aristotélica, consagrou, dando-lhe expressão prática, as noções de justiça, como “ constante e perpetua vontade de dar a cada um o seu direito), e da jurisprudência, como conhecimento das coisas divinas e humanas, ciência do justo e do injusto.
1.4. A JUSTIÇA EM S. AGOSTINHO.
Agostinho de Hipona nasceu em Tagaste, 13 de Novembro de 354 e morreu em Hipona, 28 de Agosto de 430 foi um bispo católico, teólogo e filósofo, considerado pelos católicos santo e Doutor da Igreja.
Agostinho tem um conceito de justiça que se baseia na concepção judaico-cristã, que reporta-se a Deus e à Sua Lei, que visa o Paraíso.
A Lei de Deus, critério de justiça distingue-se com dificuldade da Moral e concretiza-se na Santidade. A Justiça está mais próxima de viver honstamente.
Enfim, a concepção de justiça de Agostinho propõe uma ordem global de vida individual e em sociedade.
1.5. A JUSTIÇA EM S. TOMAS DE AQUINO.
São Tomás de Aquino nasceu em Roccasecca em 1225 e faleceu em Fossanova, 7 de Março 1274) foi um frade dominicano, teólogo, distinto expoente da escolástica, proclamado santo e cognominado Doctor Communis ou Doctor Angelicus pela Igreja Católica.
É na sua obra “Suma Teológica” que vai contribuir para o conceito de justiça social. Nesta obra desenvolve uma doutrina sistemática da justiça como virtude cardeal, de índole social, definindo-a como hàbito segundo o qual, com constante e perpétua vontade, se dá a cada qual o seu direito.
Aqui, a justiça assume a modalidade da relação social. É a virtude que relaciona e vincula os homens entre si e na sociedade segundo o critério de igualdade. No conceito de Tomas, é justo o que corresponde ao outro segundo a igualdade.
Daqui deriva a definição de Tomas de Aquino: a justiça é a virtude pela qual se atribui a cada um o seu com vontade constante e perfeita.
II. AS RAÍZES ANTROPOLOGICAS DA JUSTIÇA SOCIAL.
Há três raízes fundamentais que iluminam o sentido de justiça que são: a pessoa, o outro e a sociedade.
2.1: A PESSOA. A PRIMEIRA RAIZ ANTROPOLÓGICA DA JUSTIÇA SOCIAL:
A busca do sentido do homem conduz-nos, através dos diferentes níveis de consideração, à descoberta de que no fundo de toda essa complexa realidade que chamamos “ser humano” aparece a “pessoa” como núcleo último irredutível. A pessoa constitui o “centro da existência humana”, (Karl Rahner). A pessoa é como que a estrutura última de todo o humano. Pela sua importância na compreensão do horizonte antropológico da justiça, vamos a seguir definir os traços mais pertinentes do ser pessoa.
2.2: A PESSOA COMO IPSEIDADE E RELACIONALIDADE:
Há duas dimensões que concorrem para a entidade última do ser pessoa e que são inseparáveis e complementares: a ipseidade e a relacionalidade.
A ipseidade é uma componente ontológica da pessoa que alude à realidade mais profunda de sustentação do ser humano. É a dimensão do “em si”, a fonte das iniciativas pessoais. Isto funda a ideia de que a pessoa humana é irredutível a um objecto, sendo um ego.sujeito inviolável, livre, criativo e responsável. O “ser-si-mesmo” encontra-se de uma ou outra maneira em todos os fenómenos humanos. Onde esta falha não se realiza mais o homem enquanto homem. A ipseidade abre-nos definitivamente a pessoa enquanto capaz de assumir-se a si mesmo.
A Relacionalidade: alude àquela componente igualmente constitutiva da pessoa que impede que o “em si” se esgoste na esterilidade de uma impossível auto-realização sem rosto. Este é o rosto projectivo do “em si” da pessoa; sua dimensão de “ser-em-relação” (o ser-com e o ser-para). Sem relacionalidade fica mutilado o sentido real do “eu”. A explicação do “eu” inclui a presença do outro: a relacionalidade torna-se indispensável para a compreensão da ipseidade.
No entanto, na relacionalidade encontramos já, a nível ontológico, o primeiro apoio antropológico sobre o qual se deve fundamentar a justiça. Essa se estabelece sobre a base de uma adequada harmonia das pessoas consigo mesmas e da rectidão de relações com os demais.
2.3. A PESSOA COMO SUBJECTIVIDADE E ALTERIDADE:
A pessoa vive numa tensão relacional entre a subjectividade e a alteridade (o outro). Nenhuma pessoa está fechada em si mesma. Todas as correntes ideológicas da história que quiseram encerrar o homem em si mesmo, procurando absolutizar as suas prerrogativas ôntico-axiologicas sem referencia ao outro, desembocaram inevitavelmente num subjectivismo/individualismo fechado. De facto, a pessoa humana só realiza na medida em que está em relação com os demais, através duma dinâmica dialogal.
Entretanto, existe uma alteridade horizontal e outra vertical. A alteridade horizontal é aquela que nos coloca diante do nosso semelhante (o outro que é como eu). Daqui decorre a justiça horizontal, aquela relacionada aos outros numa reciprocidade simétrica entre a auto-realização e a altero-realização. Não existe aquela sem esta. Do ponto de vista da realização social do homem, a auto-realização equivale sempre a altero- realização, pois o homem não persegue uma realização intimística, orientada para dentro de si, mas para fora. Neste sentido podemos dizer que o existir humano é um co-existir, o viver humano é um com-viver. Assim, a consciência-experiencia da subjectividade é contemporaneamente consciência experiência da alteridade.
Alteridade vertical coloca-nos numa inter-relação transcendente com o Ser supremo, o totalmente Outro, o Tu Absoluto. Aqui não existe uma relação de reciprocidade simétrica, mas uma relação de dependência ontológico-criatural da pessoa humana do Ser Supremo e transcendente. Decorre desta relação a chamada justiça teologal que consiste em atribuir a Deus tudo aquilo que lhe é devido: Reconhecimento, honra, gloria, adoração.
III. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DE JUSTIÇA SOCIAL.
3.1. A génese de justiça social:
O Direito com uma concepção mais pessoal e real, proporcionou à justiça um carácter dinâmico e mais reformista da ordem a garantir. “ passou-se da concepção do direito e da justiça como manutenção da ordem social a uma concepção dinâmica do direito e da justiça como postulado de mudança social” (Dicionario Teologia Moral, pg. 679).
Trata-se em primeiro lugar em salvaguardar o direito primário da pessoa humana no contexto de uma sociedade em transformação. Justiça liberta-se de uma legalidade solidificada sobre um modelo passado de vida económico-politico-social para estar mais aberta a receber as exigências de liberdade e igualdade demandadas pelos novos sistemas técnico-produtivas e pelas novas sensibilidades da consciência humana.
Estamos a nos referir da justiça legal para que possa encontrar o carácter e o papel da justiça geral (S. Tomás). É uma questão de devolver à justiça legal o seu objecto específico que é o bem comum.
A partir destas novas concepções nestes contextos desenvolve-se na história a noção de justiça social. A sociedade moderna é sensível as questões de justiça social e já não se reduz a um apanágio socialista, até porque o magistério social da Igreja, a partir da encíclica Quadragésimo anno, de Pio XI (1931) tornou-se um indicativo magisterial de notável alcance e incidência ético-social.
A justiça submerge como uma consciência crítica, e denuncia todas as injustiças cometidas em nome da lei, das instituições e estruturas na qual esta toma corpo. Ou seja, não se deve considerar a lei a norma que não seja justa. A justiça social encarrega-se de todos os desajustes entre lei e direito e esforça-se por restabelecer sua harmonia.
A justiça social, como consciência inovadora procura estabelecer efectivamente uma nova ordem social, ou seja, à justiça exigida para os novos problemas do mundo de hoje. A justiça social surge assim como justiça do bem comum entendido em relação com os novos equilíbrios que é preciso determinar ou predeterminar para sua garantia. Desta feita a justiça social tem carácter “incoativo”; uma vez adquiridas para a justiça legal as novas exigências. A Justiça social tem também carácter profético porque tende a prevenir as injustiças do sistema, a alargar os confins do direito e de sua tutela institucional, exercendo um papel preventivo dos conflitos e violência sociais e garante da paz social.
Sendo assim, podemos dizer que a justiça social esta estreitamente relacionada com a questão social, ou seja com os diversos desequilíbrios nas relações sociais determinados pelas mudanças cientifico-tecnicas e económico-produtivos, evidenciadas por uma mais aguda consciência dos direitos humanos e por si mesmas pedem nova justiça.
A primeira questão social, na qual se busca a formação mesma da noção de justiça social foi a questão operaria, nascida com a revolução industrial no Século XIX, numa época de grandes transformações sociais.
“Segundo Pierre Léon, o que é novo no século XIX não é o facto de haver dominação dos países poderosos (militar, tecnológica e economicamente, sobre outros menos aptos para o desenvolvimento e par a independência. Este tipo de dominação vinha já de séculos anteriores. A novidade do século XIX surge, segundo aquele historiador, ao nível da intensidade e da espessura das terras económicas, do fluxo de saída de homens e para fora da Europa e da substituição das correntes e dos interesses seculares dos negócios pelas obrigações da industrialização desigual no Mundo… O “subdesenvolvimento”, herdeiro do conceito do “mundo dominado” ou “atrasado”, revelar-se-à no século XX e será resultante do explosivo encontro entre dinamismo demográfico e fraco desenvolvimento económico (Pedro Almiro Neves et alli, Historia, 2º volume).
A revolução industrial pode ser vista como um processo pelo qual a sociedade adquiriu domínio sobre grandes fontes de energia inanimada, desenvolvendo e empregando a tecnica, ou seja a aplicação dos princípios científicos às actividades económicas. Surgem em consequência desta revolução industrial, transformações profundas nas estruturas institucional, cultural, politica e social.
A tradicional divisão da justiça (tipologia da justiça) não respondia suficientemente ao conflito patrões-operarios. A origem do conflito é empresa capitalista, a proletarização do trabalho, as mudanças radicais nas relações produtivas. Há aqui princípio e causa de grandes injustiças, autoproduzidas em sistema perverso de multiplicação de lucros e de exploração do trabalho. Perante este cenário, a chamada justiça legal estava inoperante ou era cúmplice, provocando graves consequências sobre o bem comum e para a paz social.
A questão social adquiriu hoje dimensões mundiais. “Converteu-se em questão de subdsenvolvimento”( Paulo VI, Populorum Progressio; João Paulo II, Solicitude rei socialis, 9-10).
Sabe-se que a questão operária e a questão dramática do subdesenvolvimento são determinados pelo lucro desmedido e exploração em escala mundial reduzindo à miséria e à fome povos e continentes inteiros.
A questão operaria e do subdesenvolvimento popularizou a atenção da justiça social. Não queremos aqui silenciar outras questões que surgem no tecido social. No entanto há que começar a reflectir seriamente na questão social em relação com a segregação de todos os diferentes;
Uma questão feminina de emancipação e paridade de dignidade da mulher;
Uma questão dos anciãos em relação com o envelhecimento da população e segurança de velhice.
Uma questão demográfica motivada pela superpopulação mundial;
Uma questão ecológica, pela degradação do meio ambiente e as alterações da biosfera;
uma questão nuclear em relação com o risco radioativo.
Perante estas questões a justiça social surge como justiça de nova ordem social; uma ordem de instituições e estruturas nas quais tome corpo a justiça, a fim de que a sociedade possa desenvolver-se em harmonia e beneficiosa “sinergia”.